Na semana passada eu dei uma aula para a Academia da Legal Creatives e a ideia foi ajudar os alunos a entregarem serviços de Legal Design mais profissionais.
Eu fico muito feliz por ver cada dia mais exemplos de profissionais do direito aplicando o Legal Design em suas práticas, porém tenho notado que a maioria não consegue dar um acabamento mais profissional.
Não estou com isso criticando quem o faz. Defendo a tese de que feito é melhor do que perfeito e que mesmo um Legal Design com oportunidades de melhoria é mil vezes mais eficiente do que um serviço jurídico tradicional.
Porém, tendo o conhecimento, por que não compartilhá-lo?
Eu sei que nem todos conseguem ter a oportunidade de trabalhar com Legal Design o dia todo e todos os dias, como eu. Nem tampouco, acesso a todos os cursos, inclusive os internacionais, como tenho feito nos últimos anos.
Assim, como parte da cultura de inovação, sinto-me na obrigação de compartilhar o que sei para tornar a nossa comunidade mais forte, uma vez que se todos vocês forem aptos a entregar serviços de Legal Design melhores, todos sairemos fortalecidos no mercado!
O projeto original
Para facilitar e mostrar as diferenças, utilizei para a aula um projeto de Legal Design da 1ª Vara Criminal de Ponta Grossa, Paraná, que é incrível!
O conceito de design centrado no ser humano não poderia ter lugar melhor para ser aplicado do que no direito criminal, onde a pessoa se depara com uma das piores coisas da sua vida: a privação da sua liberdade.
Veja abaixo que a ideia foi facilitar para o réu a compreensão sobre o que aconteceu no processo, informar a decisão que foi tomada e indicar os próximos passos:
O resultado ficou muito bom e, com certeza, melhorou e muito a relação com o réu, se compararmos com a leitura da sentença na íntegra, com todos os seus termos técnicos e jargões jurídicos.
Porém, se aplicadas algumas técnicas simples, esse projeto poderia ficar ainda melhor, como mostrarei a seguir:
Dica 1 - Melhorando o cabeçalho
Para começar, embora mais amigável, o documento continua tendo como sua origem o Poder Judiciário e, por isso, precisa passar ao usuário a sensação de ser legítimo, oficial, formal.
Para isso, bastava trocar a fonte por uma letra serifada mais robusta, com uma tamanho maior e substituir o "resumo da sentença" por "decisão judicial".
O subtítulo, que é a indicação da vara de origem, poderia continuar com o mesmo texto, porém substituiria a fonte serifada por uma sem serifa, para facilitar a leitura. Só o título em serifa já é suficiente.
Por fim, cuidaria para que título e subtítulo tivessem a mesma largura, pois alinhamento, equilíbrio e harmonia sempre ajudam na experiência do leitor.
Dica 2 - Incluindo um quadro resumo
Por mais que o documento já seja um resumo da sentença, imagina qual deve ser a ansiedade do leito para saber o resultado do julgamento.
Portanto, aplicando as técnicas de plain language e hierarquia da informação, temos que fornecer primeiro a informação que mais interessa para o usuário/leitor.
Se que quiser saber "o que aconteceu", ele continua lendo o documento. Mas se o que ele quer é o resultado da decisão, forneça isso já no início.
Dica 3 - Mudando a ordem do texto
No projeto original há um subtítulo chamado "O que acontece agora". Porém, o que vem a seguir é a pena aplicada.
Considerando que se trata de uma decisão de primeiro grau, possível de ser modificada no tribunal, não podemos garantir que "o que acontece agora" é a aplicação da pena.
Portanto, a recomendação é que pela hierarquia da informação, esse trecho deveria estar na sequência da explicação sobre o que aconteceu, mas antes da parte que trata dos próximos passos.
A explicação para isso é que as pessoas estão acostumadas com a análise das coisas em ordem cronológica, já que essa é a nossa experiência na vida.
Além disso, no nosso idioma a leitura é feita da esquerda para a direita, de forma que os fatos que aconteceram antes devem ser colocados à esquerda do layout e os que vieram depois, à direita.
Nesse trecho recomendaríamos também retirar a descrição por extenso dos numerais referentes à pena aplicada, pois é desnecessário e ocupa um espaço importante no design.
Dica 4 - Troca dos ícones
O projeto original fez uso de ícones para deixar o documento mais visual e esse é, de fato, um excelente recurso do Legal Design e do Visual Law.
No entanto, as escolhas e a aplicação poderiam ser aprimorados.
Os ícones não estão padronizados, pois alguns são de uma única cor, enquanto outros são coloridos.
Alguns ícones não são tão objetivos e diretos ao ponto, ou seja, não são tão eficientes como imagem que descartassem explicações adicionais.
Por fim, o tamanho também ficou um pouco exagerado. Os ícones são elementos que nos ajudam a direcionar a atenção do leitor, mas eles não precisam ser o maior centro de atenção do documento. Eles não podem roubar o protagonismo da mensagem.
Portanto, eu escolheria ícones do mesmo padrão de cor e tamanho entre eles, para dar harmonia ao design, bem como manteria-os menores e alinhados ao tamanho dos parágrafos, garantindo um maior equilíbrio ao documento.
Dica 5 - Aplicação de uma linha do tempo
No entanto, a principal oportunidade de melhoria nesse projeto é a aplicação de uma linha do tempo.
Quando você pretende explicar uma sequência de eventos, demonstrar pré-condições existentes, o uso da linha do tempo é muito mais eficiente do que tentar explicar isso só com palavras.
Além de facilitar a compreensão do leitor, a linha do tempo ainda é boa porque utiliza menos espaço no layout.
Dica 6 - Informações extras no final
Nesse quesito, o projeto inicial já estava muito bom, pois trazia as informações de contato da 1ª Vara Criminal no rodapé, porém tinha também um QR Code logo no começo e as informações de contato do escritório socal no meio.
Conforme falamos, a hierarquia da informação determina que primeiro devem ser dadas as informações que o usuário mais tem interesse e, quanto menos importante forem as informações, mais para o final elas devem ficar.
Portanto, se o réu quiser usar o QR Code para ler a sentença completa, isso pode ficar para o final.
Além disso, ao reunirmos todas as informações de contato em um único lugar, isso ajuda o usuário na localização dessa informação, pois ele saberá que toda e qualquer informação desse tipo estará no rodapé (no caso do nosso projeto).
Dica 7 - Troca das cores
Aqui também é bom esclarecer que o projeto original não estava errado e a escolha da cor utilizada, mesmo se não tiver sido cientificamente feita, estava certa. Um tom de azul bem tranquilo.
Porém, o uso e uma cor única em todo o documento causou a falta de um recurso muito útil no desig, que é o contraste.
Além de ficar mais agradável para o leitor, o contrataste nos ajuda a destacar o que é mais importante do que é ordinário.
Porém, não podem ser duas cores quaisquer. O equilíbrio e a harmonia também passam pela escolha das cores e a sua correta combinação é o que chamamos de "paleta de cores".
Para esse projeto, eu recomendaria um azul centáurea, que passa calma e tranquilidade ao leitor (que está recebendo a notícia de uma condenação criminal), combinada com um marrom argila, que reflete estabilidade e segurança (já que é um documento oficial do poder judiciário).
O documento final
Com essas pequenas alterações, o documento final ficaria com um resultado como esse:
Agora o documento tem apenas 1 página, ao invés de duas, apresenta um aspecto mais "oficial" e que passa mais segurança ao leitor, bem como a linha do tempo ajuda a entender os próximos passos.
Acho importante esclarecer que não estou criticando o projeto original, nem tampouco acho que esse novo design esteja perfeito, uma vez que também sou um profissional do direito e não um designer de formação.
Porém, como estou nisso desde 2015 e pude aprender algumas coisas, achei interessante compartilhar e ajudar o ecossistema para, em breve, todo o mercado dar aos Legal Designers o valor que eles merecem.
E você? O que achou?
Contem comigo para ajudar vocês com essas dicas! Vamos todos ficar ótimos e entregar excelentes trabalhos para nossos clientes!!!