Na semana passada, uma notícia me chamou a atenção e me deixou chocado. Chegamos a 15 mil leis ordinárias no Brasil. 15.000 (quinze mil)! E isso me fez pensar no uso da I.A. no Direito.
Para dar um pouco de contexto, foi publicada no Diário Oficial da última terça feira (15/10) a lei que declarou Anísio Teixeira o Patrono da Escola Pública Brasileira. Poderia ser mais uma entre tantas que fazem parte da legislação nacional. Mas essa foi a lei de número 15.000.
É importante lembrar que essa contagem começou em 1946. Antes disso, já tivemos outros inícios de contagem da numeração das leis: o primeiro foi com a Independência; o segundo, com a Constituição de 1891 e o terceiro com a Constituição de 1934.
Ou seja, o número de leis aplicáveis hoje pode superar esse número imenso de 15 mil.
E a pergunta que fica é: E o que isso tem a ver com Inteligência Artificial?
Muita coisa, vamos refletir aqui:
O que a I.A. faz melhor que os humanos?
Em primeiro lugar, é importante lembrar o que uma inteligência artificial pode fazer melhor do que um ser humano: analisar uma grande quantidade de dados e identificar padrões.
Com base nessas duas capacidades, surgem os demais benefícios.
E esse artigo nasceu de um segundo insight que eu tive ao ler o artigo "Machine of Loving Grace" do Dario Amodei.
Ele é um pesquisador e empresário ítalo-americano de inteligência artificial, cofundador e CEO da Anthropic, a empresa por trás dos modelos de linguagem Claude AI.
Nesse artigo ele analisa "como a IA pode transformar o mundo para melhor".
E então eu tive a ideia de transportar isso para o nosso mundo jurídico e refletir "como a IA pode transformar o mundo jurídico com 15 mil leis ordinárias para melhor?"
Como a IA pode transformar o mundo jurídico para melhor?
Desde já quero deixar claro que não sou um entusiasta inocente da tecnologia e sem muito bem que a Inteligência Artificial é uma tecnologia que também apresenta riscos e potencial para ser utilizada para o mal.
Só escolhi focar no lado positivo nesse artigo. Tudo bem?
1. O mundo jurídico não é perfeito
A premissa inicial da reflexão se baseia no fato e na constatação de que o mundo jurídico é bom, é necessário, mas não é perfeito.
Se você discorda e acha que o mundo é um lugar justo, que todas as pessoas entendem e cumprem as regras sociais, que todos têm os seus direitos protegidos e que toda violação de direitos é adequadamente analisada pelo Poder Judiciário, então você já pode parar de ler o artigo, já que não há o que melhorar.
Se você concorda que o mundo jurídico poderia ser melhor, que essas 15.000 leis ordinárias podem não ser conhecidas por todos, cumpridas por todos, que o mundo não é tão justo e o judiciário não está conseguindo responder aos conflitos sociais, então continue lendo.
2. I.A. ajudando na formulação de Leis
Quero começar pelo início. Onde tudo no mundo jurídico surge: o processo legislativo.
A complexidade e o volume crescente de normas existentes na sociedade brasileira reforçam a necessidade de ferramentas que possam ajudar a navegar, interpretar e aplicar essas leis de forma eficiente.
Em universo com 15.000 leis ordinárias, o processo dos legisladores na criação de novas leis pode aprimorado em ao menos 3 atividades muito importantes:
Será que a nova lei conflita com uma das 15.000 existentes? A IA pode ser usada para revisar a legislação existente, identificando sobreposições, redundâncias e lacunas que possam causar confusão ou conflitos com a nova lei. Essa análise traria maior clareza para o sistema jurídico e poderia até sugerir a consolidação ou simplificação de certas leis.
Ex.: O PL 2338/23, que visa regulamentar a I.A. no Brasil, inclui previsões sobre a proteção de dados pessoais, embora a LGPD já faça isso e suas previsões se apliquem de forma geral.
Será que a nova lei pode causar um impacto negativo? A IA pode ser usada para simular os efeitos de novas leis antes de sua promulgação, prevendo possíveis impactos sociais, econômicos e jurídicos.
Ex.: A Lei 13.756/2018 que legalizou as apostas de quota fixa de eventos esportivos (as Bets) e deixou a regulamentação pendente para o futuro, causando diversos problemas sociais, tais como o vício em jogos de azar, famílias perdendo tudo para o jogo e até alguns beneficiários de programas sociais como Bolsa Família trocando a compra de alimentos por apostas.
Será que a nova lei é realmente necessária no Brasil? A IA pode ser usada para analisar dados demográficos e sociais, auxiliando na criação de leis que atendam melhor às necessidades da população, evitando a criação de normas que não sejam aplicáveis ou que tenham pouca eficácia, em um cenário de já alta densidade normativa.
Ex.: As famosas "leis que não pegam" no Brasil. Você já viu algum pedestre ser multado por atravessar fora da faixa ou ciclista ser multado por circular na calçada? Pois bem, ambas as proibições estão previstas no Código de Trânsito Brasileiro (art. 254 e 255, respectivamente), mas ninguém sabe, ninguém cumpre e ninguém aplica.
2. Trabalho dos Advogados
Com uma quantidade tão grande de leis, o trabalho dos advogados se torna cada vez mais desafiador, uma vez que a já conhecida sobrecarga de trabalho e a cobrança por fazer mais com menos e cada vez mais rápido é uma realidade.
Aqui a I.A. se torna uma aliada para melhorar a eficiência e qualidade dos serviços jurídicos em várias atividades, vou destacar três delas:
Qual(is) a(s) lei(s) aplicável(eis) a essa situação? No estudo que estou realizando já é possível notar que a pesquisa jurídica é a maior dor dos advogados. Desse modo, a I.A. pode ser usada para vasculhar todas essas milhares leis existentes, além de jurisprudências, doutrinas e tudo o mais que for aplicável, em questão de segundos.
Obs.: Para participar da pesquisa, clique nesse link e contribua: https://bit.ly/pesquisaebld
Ex.: advogado orientando os negócios de uma clínica estética pela primeira vez e não sabe as regras do setor, os conflitos mais comuns, as questões judicializadas, as jurisprudências mais importantes (Discussão sobre as câmaras de bronzeamento artificial na Anvisa x Judiciário).
Qual seria a melhor estratégia para essa situação? Assim como pode prever o impacto de leis, a IA também pode ser usada para analisar possíveis desfechos para determinadas situações. Ou seja, o advogado pode analisar dados históricos para desenvolver estratégias mais sólidas para orientar o seu cliente em um negócio, um contrato ou uma ação judicial.
Ex.: advogado analisando os padrões de como um juiz, de uma determinada comarca, analisa e julga um determinado tipo de ação judicial.
Qual a parte realmente importante de tudo isso aqui? Algumas situações na prática jurídica são extremamente repetitivas e cansativas, como aquelas que envolvem um trabalho de leitura de um número imenso de documentos para tentar encontrar alguma informação juridicamente relevante, seja uma prova, um risco ou uma contradição.
Ex.: análise de documentação de uma diligência legal. Antigamente, os escritórios mobilizavam dezenas de advogados, que varavam a noite alimentados por pizzas e refrigerantes, para analisar caixas e caixas de contratos e tentar identificar riscos. A I.A. pode ser usada para fazer isso em poucos minutos, de forma muito mais eficiente.
3. Atuação dos Juízes
Por fim, lá no final da jornada, estão os juízes. A eles cabe analisar quem está com a razão em um conflito envolvendo uma ou mais dessas milhares de leis existentes no Brasil, por meio do trabalho dos advogados, sobrecarregados e carentes de ferramentas que os ajudem.
No Brasil há dezenas de ferramentas de I.A. que já são utilizadas para ajudar os juízes, mas eu quero destacar também apenas 3 delas:
O que está sendo discutido aqui? Segundo o relatório Justiça em Números do CNJ, cada juiz julga, em média 7 processos por dia. Será que eles têm tempo de ler todas as páginas de um processo com centenas ou milhares de laudas? Claro que não! Aqui a I.A. pode ajudar juízes a processar grandes quantidades de informações, agilizar o tempo de julgamento e reduzir o acúmulo de processos.
Ex.: Juiz da comarca de Arara (Paraíba), Anderley Ferreira Marques, conseguiu zerar o número de processos pendentes em um mês e meio, chegando a proferir mais de 100 sentenças em um único dia, apenas identificando e separando processos semelhantes de ações em massa.
Como será que meus colegas juízes estão julgando? Em um cenário com milhares de leis, fica muito possível (e também provável) que aconteçam interpretações conflitantes, ou seja, juízes que julgam de um jeito e outros que julgam totalmente diferente, um mesmo conflito. Aqui a I.A. pode ser usada para mitigar o risco de decisões inconsistentes para uma mesma situação de fato, dentro de um mesmo tribunal.
Ex.: Juiz está em dúvida sobre o valor adequado para indenização de danos morais a vítima de fraude bancária facilitada pela ineficiência dos sistemas de segurança do banco. Para evitar um valor muito distante do que se pratica, ele pode identificar a média usada pelos outros juízes.
Outra vez um caso com esse mesmo contexto? A advocacia predatória é um problema que além de sobrecarregar o judiciário, causa problemas para empresas e para toda a sociedade, e acontece quando um advogado move ações em grande quantidade, geralmente sobre o mesmo assunto, apresentando documentos quase idênticos, mudando apenas o nome da pessoa e o endereço (muitas vezes, nem a pessoa sabe que foi movida a ação). A I.A. pode ser usada para identificar esse padrão e retirar essas ações do judiciário, punindo o advogado.
Ex.: No Rio de Janeiro, o juiz Marcelo Alexandrino da Costa Santos, da 3ª Vara do Trabalho de Nova Iguaçu, extinguiu diversos processos movidos por um único advogado contra varejistas e aplicou uma multa e honorários de 20% sobre o valor das causas, totalizando mais de 1,7 milhão de reais.
Conclusão
Neste cenário em que o Brasil alcança a marca de 15.000 leis ordinárias, a Inteligência Artificial pode ser a ferramenta que falta para enfrentar a crescente complexidade do sistema jurídico.
Desde a função dos Legisladores, na criação de novas leis, passando pelo trabalho de análise dos advogados, até a aplicação e tomada de decisão por juízes e demais atores envolvidos, a I.A. oferece soluções que podem otimizar a eficiência, reduzir erros e garantir uma justiça mais ágil e precisa.
Como falei no início e vou reforçar aqui, eu sei que a aplicação da I.A. na área jurídica não é só flores, que há situações mais complexas e riscos que precisam ser analisados e evitados.
No entanto, não é pelo perigo de se queimar que a humanidade aboliu o uso do fogo, ou em razão do risco de se cortar que a humanidade aboliu o uso da faca. É preciso buscar os pontos que são positivos de uma tecnologia, e tentar evitar os negativos.
O foco desse artigo foi nos pontos positivos, em razão da notícia histórica da lei ordinária de número 15 mil no Brasil.
Em breve faço um artigo sobre os pontos negativos e os riscos a serem evitados.
Portanto, assim como no campo da saúde e da economia, o uso da I.A. no mundo jurídico pode trazer um impacto revolucionário, facilitando o trabalho para todos os atores envolvidos, em um ambiente onde o volume de normas é um desafio em si mesmo.
Pesquisa para ajudar os advogados
Com o objetivo de entender em que nível de evolução em I.A. estão os advogados brasileiros, bem como quais são suas necessidades e desejos, estamos realizado uma pesquisa inédita no Brasil.
Para participar, basta clicar nesse link e participar: https://bit.ly/pesquisaebld
Os resultados obtidos nessa pesquisa serão compartilhados em um relatório completo para os participantes, bem como serão apresentadas recomendações, dicas de ferramentas, técnicas de engenharia de prompts e caminhos para os advogados avançarem no uso da I.A. Generativa.
Contamos com a sua contribuição nesse estudo.
Obrigado!
Mauro Roberto Martins Junior
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