
Nos últimos dias, tivemos uma série de notícias impactantes sobre o avanço da adoção da Inteligência Artificial Jurídica no Brasil, sendo os principais os lançamentos da Elaw e da JusBrasil e o Machado Meyer adotando o Harvey. Vou falar de cada uma delas de forma individualizada.
Visão geral do avanço da IA no Direito
O CEO da JusBrasil mencionou no evento de ontem uma frase que eu venho falando já a algum tempo:
“Se o insumo principal do Direito é o texto, soluções treinadas com textos e construídas para lidar com eles serão ferramentas essenciais na rotina dos advogados.”
E, com base nessa premissa, estamos vendo o que está acontecendo.
É claro que surgirão dezenas (ou até centenas) de novas startups jurídicas em razão da IA Generativa, mas as Lawtechs e Legaltechs já existentes, que atuavam como fornecedoras de outras soluções, terão que integrar Inteligência Artificial aos seus produtos.
E foi isso que fizeram Elaw e JusBrasil essa semana.
O lançamento da Elaw
A Elaw é uma Lawtech fundada em 2007, em São Paulo, e começou como fornecedora de uma plataforma de gestão jurídica e cresceu para formar um verdadeiro ecossistema de soluções tecnológicas para o setor jurídico.

Entre os seus produtos estão o eLaw Enterprise Contencioso, o eLaw Enterprise CLM, o eLaw Integration Office e o eLaw Starter.
Na última semana a empresa realizou um evento incrível para anunciar o lançamento de novas funcionalidades e produtos baseados em Inteligência Artificial Generativa:
· Cadastro automático com IA: Agora, eLaw Enterprise Contencioso contará com cadastro automático por IA, ou seja, sem esforço manual e erros humanos.
Basta fazer o upload de uma petição, por exemplo, e a IA extrai e cadastra todas as informações no sistema – com campos personalizáveis para atender às particularidades da sua operação.
· Plataforma de ODR com IA: A outra solução foi uma ferramenta chamada Elaw Acordos, no qual a IA será responsável por conduzir toda a negociação, proporcionando maior taxa de fechamento, ticket médio menor por acordo e pode trabalhar o dia todo.
Um ponto interessante é que a solução funciona dentro do WhatsApp que, sabemos, é o aplicativo de conversa mais utilizado do Brasil.
Outra coisa que me surpreendeu é a possibilidade de personalização do “robô negociador”. É possível moldar tanto o fluxo quanto a “personalidade” do agente (pode ser mais bonzinho ou mais agressivo na negociação).
É possível também programar um “agente coordenador”, com mais alçada para fechar acordo, que é acionado quando a pessoa faz uma contraproposta e, se o valor superar o limite de alçada da IA, ela transfere a negociação para a supervisão humana.
E o fluxo é completo. Ele não apenas negocia, mas avança até a elaboração da minuta e envio do link para assinatura eletrônica dentro do WhatsApp. Ele também faz acompanhamento (FUP) automático, até o acordo ser fechado.
E se a pessoa disser algo como “Me procure semana que vem, pois estou de férias”, ele entende e programa o próximo contato para a semana seguinte. Essa conversa pode, inclusive, ser feita por áudio, que a IA transcreverá para texto.
E tem mais novidades vindo por aí. O Paulo Silva já deu um “spoiler” de que em breve a Elaw terá também uma plataforma de Legal Operations!
O lançamento da JusBrasil
A JusBrasil é uma Lawtech fundada em 2008, em Salvador, e começou como fornecedora de uma plataforma de pesquisa de jurisprudência e informações jurídicas em geral, tendo a maior base de dados jurídica do mundo com mais de 430 milhões de processos.

Entre as suas soluções estão a consulta processual, a distribuição de novos processos, o monitoramento de processos, a gestão de prazos judiciais, a pesquisa jurídica e a baixa de autos processuais.
No dia de ontem, a empresa realizou o lançamento de novas funcionalidades e produtos baseados em Inteligência Artificial Generativa, quais sejam:
· Pesquisa jurídica com IA: uma das maiores “dores” dos advogados se foi, pois agora será possível ao advogado realizar uma busca mais profunda na gigantesca base de dados da JusBrasil usando apenas um chat em linguagem natural.
Com um simples comando relatando a situação em que o cliente se encontra, a IA faz uma busca completa e apresenta resultados significativos com precedentes, teses, leis e tudo o que estiver relacionado com o seu caso.
· Elaboração de documentos jurídicos com IA: também será possível criar peças processuais, também fundamentadas na base de dados do JusBrasil, o que torna as chances de êxito ainda maiores.
Para citar um exemplo, se você pretende pedir uma liminar de tutela antecipada, a IA da JusBrasil buscará em sua base histórica a melhor redação desse texto para o convencimento do juiz.
· Verificação de referências com IA: a inteligência artificial também vai ajudar os advogados a checarem todas as referências existentes em um documento, como jurisprudências, artigos de lei e outras menções.
Essa função vai ajudar a verificar, por exemplo, se a parte contrária colocou uma jurisprudência inventada na peça.
O grande diferencial das soluções da JusBrasil é poder contar com a maior base de dados jurídicas do Brasil, que é confiável e constantemente atualizada.
Também chamou a atenção a parceria entre a JusBrasil e a Maritaca, empresa brasileira de Inteligência Artificial, que demonstra o empenho em construir uma IA própria e não só usar uma API do ChatGPT ou de outro modelo pronto das Big Techs.
A notícia do Machado Meyer
Por fim, tivemos a surpreendente notícia de que o Machado Meyer é o primeiro cliente de uma das mais poderosas ferramentas de IA jurídica do mundo, a Harvey da Counsel AI.
Fundada nos Estados Unidos em 2022, a Counsel AI lançou a Harvey AI no mesmo ano de sua criação. A solução foi desenvolvida por Winston Weinberg, ex-advogado de litígios do escritório O'Melveny, e Gabriel Pereyra, ex-cientista pesquisador da DeepMind.
Desde a sua criação, a Harvey AI recebeu investimentos significativos de nomes como Sequoia Capital e o OpenAI Startup Fund. Em fevereiro deste ano, levantou US$ 300 milhões na sua rodada série D, que a avaliou em US$ 3 bilhões.
Toda esse empolgação dos investidores com a Harvey AI se dá em razão do seu potencial, já que apresentou resultados impressionantes em diversos testes.
Em “testes cegos”, por exemplo, os avaliadores classificaram o trabalho jurídico feito por agentes de IA da Harvey como igual ou melhor do que o de advogados humanos seniores das Big Law (grandes escritórios americanos).
Em um estudo realizado pela VLAIR (Vals Legal AI Report), que comparou diversas IAs de diferentes fornecedores, e a Harvey teve a maior pontuação de qualquer respondente em qualquer tarefa, alcançando 94,8% para Document Q&A.

Por essas razões, a Harvey está sendo contratada por grandes escritório e empresas, tais como PwC, T-Mobile, Repsol, O’Melveny e BridgeWater. O Machado Meyer é o primeiro cliente conhecido no Brasil.
A contratação pelo escritório brasileiro nos dá um sinal claro de que as grandes firmas de advocacia estão atentas à evolução da IA e dispostas a contratar o que houver de melhor para garantirem sua competitividade e a sua longevidade como negócio.
Conclusão
Desde o lançamento do ChatGPT em novembro de 2022, temos notado que a IA jurídica está passando pelo famoso Gartner Hype Cycle, ou seja, houve um primeiro momento de pico de expectativas altamente infladas com “a IA vai substituir os advogados” e startups oferecendo soluções fracas que eram apenas interfaces sobre a API da OpenAI.
Com isso, veio o vale da desilusão, especialmente porque essas ferramentas iniciais não conseguiam contornar o problema das alucinações da IA generativa.
Agora, tudo indica que estamos no meio da “Rampa da consolidação” ou “Ladeira do esclarecimento”.

Nessa fase, estamos vendo mais exemplos de como a IA pode beneficiar os advogados e essa noção começou a se cristalizar e se tornar mais amplamente compreendida.
Os lançamentos da Elaw e JusBrasil já são produtos de 2ª e 3ª geração, mais robustos e confiáveis do que aqueles primeiros que surgiram usando apenas uma interface sobre a API da OpenAI.
Nessa fase também, veremos mais escritórios arrojados e empresas inovadoras com muita disposição para financiar projetos pilotos, como é o caso do Machado Meyer.
No entanto, escritórios mais conservadores ainda permanecem cautelosos.
Em breve, devemos alcançar o tão esperada última fase do “Platô de produtividade”, onde a adoção da IA começará a decolar, pois os critérios para avaliar as ferramentas estarão mais claramente definidos e a ampla aplicabilidade e relevância de mercado terão mais claros os seus resultados.
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Mauro Roberto Martins Junior
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