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Foto do escritorMauro Roberto Martins Junior

Ícones no Legal Design: mocinhos ou vilões?



No último dia 23 de fevereiro, tivemos um webinar muito interessante na Plain Language Association International que tratou do tema “O sentido e o absurdo dos ícones e pictogramas”.


No evento, Charlotte van Hooijdonk apresentou os resultados da sua pesquisa sobre a compreensibilidade de ícones e pictogramas, que analisou se eles contribuiriam para uma comunicação mais inclusiva ou não.


A pesquisa foi solicitada pelos governos da Holanda e da Bélgica, uma vez que com o início da pandemia, eles precisaram comunicar as novas medidas que os cidadãos tinham que aderir e precisavam fazer isso com eficiência.


No caso deles havia um desafio adicional, uma vez que o holandês não é a língua materna de todos os cidadãos, e a palavra escrita poderia ser uma barreira.


Dessa forma, os ícones (imagens altamente simplificadas que expressam uma mensagem) poderiam ajudar a otimizar a comunicação com esses grupos.


A maioria das pessoas tem a ideia de que as imagens são mais fáceis de entender do que a linguagem escrita, não é mesmo? Porém, isso é verdade?


A pesquisa forneceu alguns resultados interessantes e, às vezes, surpreendentes.


Vou compartilhar com vocês aqui o resultado da pesquisa e, em seguida, algumas recomendações para o uso correto dos ícones nos projetos de Legal Design e Visual Law.


O resultado da pesquisa


O trabalho de pesquisa foi realizado em três fases, quais sejam, análise de conteúdo, entrevistas e estudo dos usuários.


Na fase de análise do conteúdo, os pesquisadores utilizaram um conjunto com 70 ícones, sendo parte deles relacionados aos cuidados com a Covid-19 e outros referentes ao cotidiano normal como eventos, lixo ou cães.


Eles identificaram três modalidades de ícones: Informativos, Instrutivos e Proibitivos.

Essas três modalidades foram analisadas sob quatro diferentes perspectivas: dinâmica, concretude e complexidade.


O resultado da análise foi que os ícones Informativos são os mais dinâmicos e expressam algum tipo de movimento (ex.: lave as mãos).


Os ícones Informativos, assim como o Instrutivos, são aqueles mais concretos. Os ícones de Proibição costumam ser mais abstratos.


Já em relação à complexidade, os ícones Instrutivos e Proibitivos se mostraram bem mais complexos quando comparados com os Informativos.


Por fim, sobre os objetivos de cada modalidade de ícones, verificou-se que os ícones Informativos geralmente buscam ilustrar um conceito. Já os ícones Instrutivos buscam que uma ação seja realizada e os Proibitivos buscam o contrário, que uma ação não seja realizada.


Entrevistas


Na primeira fase foram entrevistados 9 designers com o objetivo de entender como os ícones são projetados e quais fatores são importantes nesse processo de design.


Todos os designers concordaram que os ícones devem ser simples, minimalistas e mostrar seu significado de forma imediatamente óbvia.


No processo de design de ícones, eles entendem como fatores mais importantes a compreensão do público-alvo, seu nível de alfabetização e o nível de detalhes é um ponto de debate.


A maioria deles não segue princípios universais ou padrões de design de ícones, como os definidos pela ISO, mas eles se inspiram em ícones existentes.


Para eles, a identidade visual das organizações geralmente constituiu um fator de limitação no uso dos ícones e as agências externas geralmente recomendam testar a compreensibilidade dos ícones perante o público-alvo.


Pesquisa com usuários


Nessa parte do projeto foram pesquisados 116 cidadãos e o objetivo era avaliar a compreensibilidade de 12 ícones em uma amostra de pessoas.


A pesquisa foi realizada online. Cada usuário viu os ícones um por um, para cada ícone eles mencionaram qual era o significado na opinião deles e os ícones foram apresentados sem texto ou contexto.


O resultado foi surpreendente.


Nenhum dos ícones teve o significado correto atribuído por 100% das pessoas. Apenas o ícone sobre lavar as mãos chegou mais perto, com 98% dos respondentes acertando seu significado. E alguns tiveram péssimo índice de reconhecimento, abaixo de 10% de acertos.


Eles notaram que as pessoas com nível mais baixo de educação e os estrangeiros têm mais dificuldades para interpretar corretamente os ícones.


Geralmente, essas pessoas focam nas cores para definir o significado de um ícone, têm dificuldades de conectar os elementos visuais e a base para a interpretação deles é desvio visual.


Por fim, os pesquisadores também notaram que a aplicação nos ícones da identidade visual das organizações causa confusão, como diferença nas cores, saliência visual e maior complexidade.


Conclusões da pesquisa


Os ícones não são tão unanimidades assim. A depender do usuário, há diferenças de compreensibilidade entre os ícones.


Por isso, os pesquisadores recomendam cuidados com o uso das cores, o número de elementos visuais no documento e a importância da realização de testes de compreensibilidade dos ícones com diferentes públicos-alvo.


NO LEGAL DESIGN, QUAIS AS RECOMENDAÇÕES PARA O USO ADEQUADO DE ÍCONES?


Primeiramente, cabe fazer o alerta que eu faço todas as vezes que posso: Legal Design é sobre funcionalidade e eficiência, não sobre beleza e estética.


É importante chamar a atenção para isso, pois tenho notado que a preocupação de muitos dos iniciantes em Legal Design é querer fazer algo “diferente” e acabam caindo no erro de escolher ícones inadequados.


Vamos então às regras de boas-práticas para uso de ícones no Legal Design:


  • Escolha ícones adequados: os ícones que funcionam melhor e geram menos problemas têm algumas características em comum. Eles devem ser:

  • Simples: escolha os ícones mais simples possível e evite complexidades desnecessárias. Eles devem identificar conceitos simples do contexto em que serão usados. Não devem ter detalhes gráficos e exageros que dificultem sua compreensão, especialmente se suas dimensões forem menores. Quanto menor, menos detalhes.


  • Claro: o significado do ícone é facilmente compreensível pelo usuário. Se estiver na dúvida entre dois ícones para ilustrar uma ideia, escolha sempre aquele que transmita a ideia de forma mais clara.


  • Significativo: o ícone deve comunicar valor informativo. Se você pensou em colocar um ícone em um determinado ponto do documento, mas não encontrou um que realmente tivesse o significado correto da ideia a ser enviada, esqueça. É melhor seguir sem ícone do que com um ícone forçado.


  • Reconhecível: não queira ser diferente. Busque ser igual. A compreensão de um ícone pelo usuário é baseada em suas experiências anteriores. Usar ícones que são iguais aos que as pessoas já conhecem de outros aplicativos, por exemplo, reduz o atrito e facilita a identificação. Essa é uma regra aplicada pelos especialistas em UX e UI.


  • Atraente: o ícone deve satisfazer as expectativas estéticas e estabelecer um apelo visual harmônico. Isso significa que ele deve chamar a atenção, pois essa é a função do ícone, porém não deve fazer isso em exagero, o ícone não é a informação principal, ele é o indicativo de que ali há uma informação importante.


  • Não ofensivo: o ícone não pode ter significados ocultos ou erros de percepção que possam parecer ofensivos ou rudes para qualquer usuário. Se o documento for ser usado internacionalmente, tenha cuidado também com questões culturais, pois muitos símbolos que são aceitos em uma sociedade podem ser considerados agressivos em outras.

Além disso, outras técnicas recomendadas na aplicação de ícones são:


  • Combine ícones com palavras: não confie que um único ícone vai transmitir a mesma mensagem para todas as pessoas. Combinadas com o ícone, as palavras esclarecem a mensagem e dão às pessoas confiança nos resultados de suas ações. Faça isso mesmo para ícones universais.


  • Seja consistente: ao aplicar ícones nos seus documentos jurídicos, procure seguir um padrão e mantenha elementos comuns para transmitir unidade do seu design. A ideia é manter uma unidade estética. Isso se aplica às cores utilizadas (use uma ou duas cores, no máximo), o peso (se é vazado ou preenchido), o estilo (busque usar ícones de uma mesma “família” de ícones. Não tenha medo de repetir elementos em todos os seus ícones. A repetição ajuda os usuários a identificar os ícones e associá-los a uma ação.


  • Garanta espaçamento ao redor do ícone: tenha sempre pelo menos 1cm x 1cm em torno do ícone para legibilidade e leiturabilidade. Quando grandes o suficiente, os ícones funcionam bem em telas de smartphones, onde o espaço é limitado.


  • Mantenha o alinhamento: o princípio do alinhamento é importante como um todo e não deveria ser diferente quando falamos sobre o uso dos ícones. É importante alinhar os ícones no documento para que seu aspecto estético e visual não fique desbalanceado e não cause um desconforto visual no leitor.


  • Respeite o senso comum: como você sabe, algumas coisas são percebidas de uma mesma forma por toda a sociedade. A isso chamamos de “senso comum”. Um exemplo é o uso das cores no esquema do semáforo de trânsito. É senso comum que a cor vermelha significa “proibido”, a cor amarela significa “atenção” e a cor verde significa “permitido ou autorizado”. Dessa forma, não use essas cores se não for com essa intenção, pois pode causar confusão nos leitores.


  • Tenha um critério: por qual motivo você quer incluir um ícone? Não pode ser apenas para mostrar que você faz “visual law”, ok? O ícone tem que ter uma função. Seja a de chamar a atenção para um tópico importante, seja para mostrar a ordem de alguma coisa, para direcionar a atenção dos leitores ou para dividir seções. O importante é você ter um critério claro e um motivo para usar os ícones.


  • Use ícones com moderação: os ícones devem chamar a atenção, mas não devem distrair do conteúdo. Ícones em exagero desviam a atenção do argumento que está tentando ser transmitido no texto, além de ter uma aparência pouco profissional.


  • Acerte nas dimensões: a recomendação de moderação se aplica também às dimensões. Os ícones não devem ser muito pequenos demais, a ponto de passarem despercebidos pelo leitor, mas também não devem ser grandes demais e chamarem a atenção além da informação principal. O tamanho ideal é proporcional ao corpo do texto e ao espaço disponível no documento. Aqui o que conta é o bom-senso e a elegância.



Conclusão


Primeiramente, é importante lembrar que estamos falando de comunicação jurídica. E, nesse sentido, não estamos apenas recomendando que as pessoas lavem às mãos, embora essa seja uma comunicação muito importante.


A comunicação jurídica gira em torno de comandos de fazer ou não fazer, que terão implicações e consequências muito mais severas (do ponto de vista jurídico).


Portanto, ela deve ser muito eficiente. O leitor realmente precisa entender qual é o real comportamento que dele se espera, o que ele pode/deve ou não pode/não deve fazer.


O Legal Design é uma nova forma de pensar, uma abordagem e uma metodologia que permite revolucionar a maneira como buscamos solucionar problemas jurídicos complexos. O pensamento do Legal Designer é guiado pelas necessidades humanas em seus contextos.


Portanto, não se trata apenas de sair colocando ícones indiscriminadamente, pensando apenas no seu gosto pessoal ou na identidade visual da sua empresa ou escritório.


Se você realmente quer resolver o problema de comunicação de um documento jurídico, você deve conhecer o público-alvo desse documento e adotar as boas-práticas para aplicação dos ícones e outros elementos visuais.


Além disso, para a aplicação correta do processo de Legal Design, a realização de testes é mandatória. O principal benefício do Legal Design é eliminar o antigo método de fazer as coisas com base apenas no que se passa na sua cabeça. Não custa nada, chame 5 ou 6 usuários e veja se eles realmente entendem os ícones que você optou por colocar no documento.


E isso é apenas parte do processo, tudo bem? Há muito mais sobre escolha das palavras, hierarquia da informação, estrutura do texto e outras preocupações. Mas isso é tema para outros artigos.


Portanto, se os ícones serão mocinhos ou vilões no seu Legal Design, tudo depende de você e do quão desenvolvidas estão suas técnicas de design de informação.


Se você gostou desse conteúdo e quer se aprimorar no Legal Design, visite nosso site: https://www.thelegaldesigner.com.br/


Mauro Roberto Martins Junior


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